Que faço
deste dia
Há regras
e não me encaixo, estou à esquerda a olhar de lado. Na parede: copos, cigarro,
lençóis, e o espelho fazem festa. Espero Eduardo para “outro dia de folia”,
para outros dias de poesia: germe de tantos anos e simpatias. O gato espera
sete vidas: baú deu passos ciganos. Caminho nas retinas deste felino: ele e os
espíritos não me enxergam, mas deixo um poema e uma vela acesa.
Nos seus olhos chamo meu nome, e esbarro no
que reconheço. A minha frente não pede esmola: têm balões, fogos de artifícios
e litros de santos “Eles também nos verão em dobro?”.
Não misture o barro, recolha a chuva: eu, o
gato, Eduardo bebemos nas mãos do pai. Mãos ancestrais banhadas em vinagre. Entramos
no jogo, arcanos de arcanos, forca de palavra, barulho de insônia a mudar a
direção do cardume de peixes: nossas patas e mãos sagram e não escrevemos no
escuro, todos os dias vamos até a caixa do correio na tentativa de encontrar
“outro dia de folia”.
Estamos apressados e não há remédio, nem
dentes. Nos bolsos de nossas calças amigos e fadas estão à deriva. Na bússola
líquida dos nossos passos o som dos livros sendo devorados: “é preciso /
enterrar-se vivo / na areia”. Ovo primeiro, primeiro poema, primeiro contato na
casa onde palavras se escondem: só por brincadeira.
Aruanda
recebe seu despacho, visita guerreira de Yansã, afago de invisível tempestade. Iemanjá
rasga os músculos d’água. Cachoeira do reino
de Oxum. Primeira pedra de Xangô. No espelho acompanho Oxumaré: o começo e o
fim crescem sem olhar para trás. Infalíveis caminhos de Oxossi não se preocupam
com o tempo e amuletos. Diante da Pomba-Gira cruzo as pernas, e as palavras
revelam medos: corpos extremos.
Na esquina, nem eu, nem o gato.
Que faço deste
dia? Neste “outro dia de folia”,
de Eduardo Lacerda.
José Geraldo Neres (2012)
Conheçam mais deste livro: http://www.editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=124
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