segunda-feira, 2 de novembro de 2009

“O rio espera uma cantiga” ou palavras acerca de Outros Silêncios

a poesia em sua função primordial oferece ao mundo um retrato da realidade cujos contornos quase sempre são aparados, embelezados, transfigurados a partir da refração resultante do olhar do poeta

a leitura de Outros Silêncios de José Geraldo Neres suscitou em mim um processo de escavação pelas gavetas da memória – desencantando lembranças adormecidas desde remotas vivências nos silêncios das ermas e velhas casas fincadas nos longes de rincões agrestes

como felinas carícias – maciez & afiadas garras – os versos de Neres continuam a me provocar para que busque paralelos de seus outros silêncios com meus alguns poucos preciosos e raros silêncios

silêncios das manhãs no campo neblinado quando o orvalho cobre a areia dos caminhos rendados de pequenos sóis trespassados de arco-íris em miniatura

silêncios do sono do pai no meio da noite enquanto eu olhava estrelas e imaginava ir para bem longe da mata… para bem longe do fogo aceso na noite fria… ir embora… sem nem saber que ali estava o puro mistério semente do sonho

“O silêncio se desdobra num resto de vida. Palavra sem fala.”

então, que provocação se acumula no título deste livro cujos poemas falam menos de silêncios do que tantos outros modos de ver/ sentir/ refazer o entorno da vida no mundo?

se o autor sugere que ali vamos encontrar formas outras de silêncios, o que encontro no entanto são faces da sede e da fome de paz… sim, de silêncio também… mas o que encontro ali é tanto penumbra aconchegante de uma paisagem rústica e dolente quanto claridades afogueadas e rios de planura alva e fria…

o poeta ali tanto é a criança que brinca com seu cavalinho de pau pelos quintais de chão batido quanto é um dom Quixote que adivinha paixões e segredos de uma vida que ultrapassa o tempo

em Outros Silêncios há o eterno grito de liberdade que não cabe no peito e há também a violenta confissão de amor à vida… violenta, sim, já que confessar sempre será um modo de violar o silêncio da inocência

(josefina neves mello, em 7 de julho de 2009)

http://carmimpolis.wordpress.com/2009/07/20/%E2%80%9Co-rio-espera-uma-cantiga%E2%80%9D-ou-palavras-acerca-de-outros-silencios/

Um comentário:

  1. A poesia não tem a função de explicar o mundo,e no entanto carrega todas as verdades do mundo.

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