sábado, 26 de setembro de 2009

"Outros silêncios" no Guia da Folha de São Paulo, de 25 de setembro, um especial de 97 dicas de livros, discos, e filmes.

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O lirismo de José Geraldo Neres, em "Outros silêncios", segundo livro do poeta, é marcado por imagens líquidas e fugidias. Os poemas fluem musicalmente, em acordes imagéticos de forte matiz surrealista. Com apresentação de Claudio Willer e orelha de Affonso Henriques Neto, o livro de Neres apresenta uma poesia que quer flutuar ao ritmo das palavras e das imagens compostas. O eu lírico se enleia em suas próprias imagens fluidas e naturais, mas com pouca margem para um mundo mais concreto, onde se possa ancorar e até mesmo se surpreender.

(Heitor Ferraz Mello, jornalista e poeta, é autor de "Coisas imediatas", 7 Letras).

Autor: José Geraldo Neres
Editora: Escrituras
Quanto: R$20,00 (160 páginas).
Avaliação:: Regular.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Entrevista concedida ao programa Perfil Literário, da Rádio Unesp FM

Olá amigos, amigas.

Segue abaixo o link de entrevista concedida ao programa Perfil Literário, da Rádio Unesp FM. Apresentação de Oscar D´Ambrosio.

E leitura de poemas.

http://aci.reitoria.unesp.br/radio/perfil_literario/254%20PL_Jos%c3%a9%20Geraldo%20Neres%20OK.mp3

Abraços poéticos.

Neres

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

AMBROSIA

sentir o ritmo
e mergulhar no cântico das águas
o grito
revela o paladar-líquido do orvalho-carne
moldura debruçada num cálice de música e palavras





I




na barranca
pintura de medo
perfume de lua

com tranças de árvore
teço um balanço
e bailo nas estrelas
a ciranda dos sonhos




II




com vestes estelares
dragões na cintura
as faces da lua
no peregrino dorso

n’aquarela
gritos
dilaceram
girassóis




III




o sexo grita
as dores do arco-íris
espasmo secular
gotas insanas

relevo sem tramas




IV




nas lágrimas
a face misturada
lava outras faces
o mar selvagem
se curva
escultura nua
crua de segredos




V




um punhal
onírico
tatua na
película
do
corpo
dezessete pedras

giram o castelo
nas
sandálias da lua




VI




o corpo suado
moldura d’água
bebe natureza
um aquário soluça

seu corpo deserto




VII




delírio prateado
protesto calado de uma gueixa
orquídea em máscara de orvalho
sentencia despedidas

(temporal de saquê)




VIII




cativos
em sonhos verdes
amaru e sade
em versos

cálix corpo
cálido convexo

guirlanda mítica
cantiga tênue
madrugada
nua




IX




procura o corpo dentro de si
em atos de selvageria
rasgam-se

sussurros

no oitavo dia semanal
a madrugada extasiada
banha-se no néctar uterino
da mãe-terra




X




fantasmas se entregam à noite
o dia beija
a face da madrugada




XI




os seus pecados
cavo pela metade
sem qualquer esforço
as sobras dos seus atos
deixo para o julgamento
da sua amada

isso

se ainda lhe restou alguma




XII




riacho da lua guerreira
peixe e fogo
na moldura

o dia no ventre
do centauro negro
flecha umedecida
na aurora boreal




XIII




cântico na órbita-azul
verbo de tambores
e silêncios

água na caça
de um sagitário
e labirintos

grito as melodias
do Vesúvio

esfinge semeia
o nono girassol
no relógio lunar




XIV




Âmago
ser libertino
mescla-se com líquido
em manhoso êxtase
o deleite compassa o desatino
tatuo um poema no seu dorso
manifesto silente de mistérios
a madrugada estimula tramas
estrelas brincam no espelho d’alma
orvalho
o paladar do amanhecer
são versos em papiro imaculado




XV




roçar arco-íris
com dedos cristalinos
sussurrar palavras extintas
no dicionário da floresta carnal
punhal aveludado
bálsamo em cicatriz azul
ingênuo instante
poema bilíngüe
modela nuvens de algodão




XVI




estrela marinha
aquário de vento
gota tecelã
suspensa

(olhos-tempestade)

o seio lunar
contorna o orvalho

pedra de fogo
lateja na aquarela-ventre
gênesis




XVII




no leito
silhueta
sol de lábios místicos

na porta
o som chama-me a bailar

reina-mulher
cavalga e alimenta

tatua seu mapa
neste peregrino

na barca-desejo
o suor da noite

sem estratégia
sem medo-amanhã
me entrego
ô caçadora!

Avalon
se desenha na seiva
navego




XVIII




mordo a noite
e os espelhos de luz – mulher
retalhos
de palavras carnívoras
no tempo de sombras
corpo
labirinto de meus olhos
a música do seu ventre
revela as portas da morte
abraço essa melodia
a seiva de uma estrela
e sinto a canção do silêncio
percorrer pelo corpo

um beijo
recebe a primeira gota de orvalho

me alimento do seu sorriso
oferta de sangue



Poema: José Geraldo Neres

Visitem a versão com ilustrações de Floriano Martins.
http://www.triplov.com/poesia/neres/Ambrosia/index.html
Visitem o link deste poema TRADUCCIÓN DE MARTA SPAGNUOLO
http://www.elfantasmadelaglorieta.com/15_jgneres.htm

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

AS PUPILAS ILUMINADAS

Elisa banha-se nas horas. Lava cada palavra com a tempestade. Os pensamentos cantam na corda do violão silvestre e decoram o vazio do seu lar. Coloca-os em estantes, criados-mudos, os reparte com igualdade entre as flores para que elas a deixem em paz, para não enlouquecer. É seu encontro com o que chamamos mundo. A melodia para que a faça entender: não pode iluminar todos os caminhos.


O tempo é seu jogo prateado - as pupilas iluminadas como as portas na nudez da alma – o ritmo líquido da eternidade. Procura seu futuro e arranca as linhas mortas nas palmas azuis de suas mãos. Escreve com tinta nanquin sobre sua grossa perna; os animais, as plantas, os seres humanos, o tempo e o espaço são peças do seu jogo. Às vezes ganha. Às vezes perde. Às vezes chora. Às vezes ri sem querer. Dá golpes no peito, se agita no silêncio das cartas do tarô.


Elisa lança suas paixões pelos degraus do inferno e um par de lágrimas no horizonte; segue o curso natural do jogo e cospe manhãs. Tem um criadouro de estrelas; traz na boca o diálogo com o crepúsculo. Passo incerto que perturba algumas almas? O movimento da seta envenenada no labirinto imaginário, a graça de transformar-se em eco de pássaros. Sua viagem: o lugar onde cresce a inquietação, pisa com pés descalços nos buracos negros. Oferece docemente pedras e vôos ao subterrâneo, encanta-lhe alvoroçar as asas. Vontade de zombar da terra! Canta na navalha e as antigas histórias desprendem-se de seu corpo. Ela, uma chave, uma janela que provoca a curiosidade. Brinda pela vida, seu próprio destino. Quem chegará para entender seus jogos? Não a entendo, nem consigo aprovar seu passo incerto pelas velhas ruas empedradas, mesmo que as chagas de seus pés superem a beleza sanguinolenta que perturba algumas almas. Ar. Terra. Fogo. Água. Olhei por detrás de sua alma e me surpreendeu descobrir que os olhos crescem em sangue.


A pausa que se termina e se inicia.


O tempo: ruas em ruínas. O silêncio entre vozes. A pergunta não propriamente humana. Quem vai crer na história que conserva aprisionada nos seus punhos? Sem importar-se com o rumo dos jogos, só com o prazer de se perder no labirinto: Elisa.





Publicado na TRIGÉSIMA SEGUNDA LEVA, Diversos Afins.
(José Geraldo Neres é poeta, ficcionista, roteirista, com dois livros: “Outros silêncios”, poesia, Prêmio Programa de Ação Cultural - ProAC - Concurso de Apoio a Projetos de Publicação de Livros no Estado de São Paulo, 2008 (Escrituras Editora, 2009); “Pássaros de papel” (Projeto Dulcinéia Catadora, edição artesanal, SP, 2007)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

ABRO A PORTA

ABRO A PORTA
uma pedra retorcida
bate o tempo em segredo

a leveza não apaga a infância

janelas seminuas partem de mim
escrita no interior do rio

desce

na margem esquerda Oxum canta

tempo pintado na presença do avô
café poesia
círculos de silêncio
o vazio da retina
no tique-taque do menino

o poema em repouso não faz perguntas

– tem alguém batendo dentro do espelho –

chora a criança
caída no detalhes do medo

nenhuma voz me canta



josé geraldo neres
do livro; outros silêncios, escrituras editora, 2009.