quinta-feira, 8 de maio de 2014

MAGIAS DA PROSA POÉTICA, por Claudio Willer



Neres avança. De modo evidente, o autor deste Um pedaço de chuva no bolso é o mesmo de Pássaros de papel, Outros silêncios e Olhos de barro. Tem uma identidade definida. Mas, a cada novo livro sua poesia e prosa poética ganham ritmo, qualidade das imagens e originalidade. Sem deixar de relacionar- se com suas leituras, e com referências musicais e visuais – por exemplo, o “relógio sem nuvens”: aquele do quadro de Magritte tem nuvens – torna-se mais caracteristicamente pessoal. Apresenta uma espécie de realidade paralela, da qual registra cenas que são “o encontro com o que chamamos mundo”: não propriamente aquele sonho, mas do plano que o constitui, no qual subjetividade e objetividade alcançam uma síntese.

É daqueles que “encontram os deuses do sonho, imersos nos símbolos da terra”; os habitantes do mito poético. Cultor do paradoxo, cria imagens como “A carne precisa de luz” e títulos como “O sangue não tem portas” e “Um cálice de água”: entidade impossível, mas poeticamente poderosa. Promove sutis inversões da lógica, quebras da expectativa: “O tiro de um anjo sádico quebrou minhas asas”, por exemplo – o previsível seria o anjo levar o tiro e ter a asa quebrada ou a sinestesia de “um passo a mais, e visitaremos todas as vozes” – a expectativa seria visitar lugares, cenas, não vozes.

Desta vez, está mais presente o epigrama, o fragmento que realiza a sincronia hermética das partes e do todo. Metalinguístico em trechos como “A pausa que se termina e se inicia”, convida o leitor a exercer a imaginação, preenchendo espaços em branco, tudo o que sugere, deixa subentendido ou implícito. Certamente, segue por um caminho que o levará a ser amplamente reconhecido como um dos integrantes do melhor da literatura contemporânea brasileira.


Claudio Willer
poeta, tradutor e pesquisador. N.A.: Diversas publicações, na qual recomendo a leitura “Um obscuro encanto - gnose, gnosticismo e poesia moderna”, editora Civilizaçāo Brasileira, 2010.

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