DESERTO DOS PÁSSAROS ÚMIDOS
I
o tempo
navega
além do rio
o tempoprisioneiro
o tempo além da vontade da água
porta parada
homem oco e seus relógios
nome deitado cegoescondido nas raízes da água
enterra sua sombra
nos galhos de um arco-íris
parado na porta
o tempo
II
voz no cortejo de punhais
sol afogado no peso e na dor dos pássaros
seu olho
no sangue do rio
e nas suas margens com seios de prata
língua de serpente no voo da lua
e na espera d’água
III
a dança conta a vida
como se chovessem noites
o ritmo desperta a água
nos olhos navalhas
o movimento enroscado no deserto dos pássaros úmidos
deus
– em seus pesadelos
penetrava nas almas e arrancava os olhos
a poesia não cicatrizava –
acorda
na última fila
ele
diante do espelho
a linguagem da queda
IV
sentir o silêncio da nudez
palavra aquática
nos olhos
o dilúvio de arco-íris
corpos líquidos
deslizam à deriva
águas sem margens
ondas se enterram
no lírico punhal
das pequenas mortes
V
as pálpebras escavam
um círculo
agarram o mar
metade luz
metade grande selva
no horizonte
constelações de peixes rápidos
no altar de estrelas
um grito invisível
ponteiros sem lágrimas
o demônio na sombra de um deus
barcos no pulso das nascentes
dois rios inimigos
lábios em forma de promessas
VI
as árvores cantam
levam meu corpo
suas raízes criaram asas
movimento de mulher de país infinito
meus olhos no aprendizado das horas
imagino um lago
espero um navio líquido
um peixe no céu
naufrágio alado
ave trançada em algas
mostra sua peleum rio sem margens
ensina à nuvem
ser uma manada de palavras
uma metáfora suspensa
sentado no seu colo
a noite faz morrer uma estrela
o ventre na descoberta da água
exibe-se
atravessa o silêncio
os dias cobrem os ponteiros
rasgam o vento
e o que não existe
sangra o fogo
no seu dorso
água violenta
no rio
as árvores cantam
do livro OUTROS SILÊNCIOS, de JOSÉ GERALDO NERES
nas asas do dia
ResponderExcluira voz eterna
a sussurrar
urgência
entre traços de vertigem
o verso ressuscita a alma
esquecida no porão
ecoa em meus olhos
as paisagens escritas por tuas mãos