sexta-feira, 18 de setembro de 2009

AS PUPILAS ILUMINADAS

Elisa banha-se nas horas. Lava cada palavra com a tempestade. Os pensamentos cantam na corda do violão silvestre e decoram o vazio do seu lar. Coloca-os em estantes, criados-mudos, os reparte com igualdade entre as flores para que elas a deixem em paz, para não enlouquecer. É seu encontro com o que chamamos mundo. A melodia para que a faça entender: não pode iluminar todos os caminhos.


O tempo é seu jogo prateado - as pupilas iluminadas como as portas na nudez da alma – o ritmo líquido da eternidade. Procura seu futuro e arranca as linhas mortas nas palmas azuis de suas mãos. Escreve com tinta nanquin sobre sua grossa perna; os animais, as plantas, os seres humanos, o tempo e o espaço são peças do seu jogo. Às vezes ganha. Às vezes perde. Às vezes chora. Às vezes ri sem querer. Dá golpes no peito, se agita no silêncio das cartas do tarô.


Elisa lança suas paixões pelos degraus do inferno e um par de lágrimas no horizonte; segue o curso natural do jogo e cospe manhãs. Tem um criadouro de estrelas; traz na boca o diálogo com o crepúsculo. Passo incerto que perturba algumas almas? O movimento da seta envenenada no labirinto imaginário, a graça de transformar-se em eco de pássaros. Sua viagem: o lugar onde cresce a inquietação, pisa com pés descalços nos buracos negros. Oferece docemente pedras e vôos ao subterrâneo, encanta-lhe alvoroçar as asas. Vontade de zombar da terra! Canta na navalha e as antigas histórias desprendem-se de seu corpo. Ela, uma chave, uma janela que provoca a curiosidade. Brinda pela vida, seu próprio destino. Quem chegará para entender seus jogos? Não a entendo, nem consigo aprovar seu passo incerto pelas velhas ruas empedradas, mesmo que as chagas de seus pés superem a beleza sanguinolenta que perturba algumas almas. Ar. Terra. Fogo. Água. Olhei por detrás de sua alma e me surpreendeu descobrir que os olhos crescem em sangue.


A pausa que se termina e se inicia.


O tempo: ruas em ruínas. O silêncio entre vozes. A pergunta não propriamente humana. Quem vai crer na história que conserva aprisionada nos seus punhos? Sem importar-se com o rumo dos jogos, só com o prazer de se perder no labirinto: Elisa.





Publicado na TRIGÉSIMA SEGUNDA LEVA, Diversos Afins.
(José Geraldo Neres é poeta, ficcionista, roteirista, com dois livros: “Outros silêncios”, poesia, Prêmio Programa de Ação Cultural - ProAC - Concurso de Apoio a Projetos de Publicação de Livros no Estado de São Paulo, 2008 (Escrituras Editora, 2009); “Pássaros de papel” (Projeto Dulcinéia Catadora, edição artesanal, SP, 2007)

3 comentários:

  1. Valeu pela dica, irei procura-la sim. Abraços!

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  2. palavras lavadas na tempestade
    tem um que de trovão em suas dobras

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  3. Oi, Neres,
    Muito obrigada pelo seu comentário. Foi um prazer conhecer você. Visitarei sempre o seu blog.(o meu está parado por tempo indeterminado).
    Bjs,

    Renata

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